Todos os dias a noite eu ia para uma praça que tinha aqui perto de casa, sentava lá e via o
tempo passar. Lia alguns livros, ouvia músicas, via pessoas, cores e me
encantava com a tranquilidade daquele local. De certa forma esse pequeno ato me
dava paz. A brisa corria e me massageava até eu voltar à calma de uma vida sem
pausas. Estar ali me inspirava e eu acabei tornando de lá um lugar pra acalmar a
pressa.
E de tanto frequentar
aquele local eu não podia deixar de observar que não era só eu que procurava a
paz. Havia um rapaz, daqueles que de longe parece ser um tanto rebelde, que faz
o tipo cara valente, mas que por dentro se corrói. Aquele que possui grandes
dores da vida e que transparece em seu rosto.
Era sempre assim, eu chegava sentava e de longe o observava. Trocávamos alguns olhares
e nada mais, ele sempre carregava aquela cara amarga da vida e isso era o que
me deixava mais curiosa. Acho que algo nele me fazia querer mais, saber mais. E
assim se passaram dias e dias, e a rotina era a mesma, só algo que tinha mudado
e de forma assustadora. Antes o que era uma pequena observação de um rapaz cara
fechada se tornou uma paixão platônica.
Quando me dei
conta dessa paixão/aberração eu resolvi ficar uns tempos sem ir a praça, eu não
queria dar pinta. Até que em uma quinta feira eu passei por lá e notei que não
havia ninguém, me sentei no banco e me distrai no tempo. Quando eu vi, estava
ele do outro lado da calçada.
Ele olhou
antes de atravessar a rua, inseguro olhou umas dezenas de vezes, finalmente -
posso suspirar - ele veio. Sentou-se ao meu lado e começou a falar sobre si. Eu
fiquei assustada, mas me fiz de boa ouvinte. Ele disse que o trajeto que fez
tinha muitas falhas, lugares sombrios, euforias e vários bares de madrugada.
A minha cabeça girou e eu quis imaginar o que tinha dado nele pra querer me contar essas coisas, eu mal sabia seu nome. Então
eu dei um sorriso torto enquanto ele me explicava cada ferida de seu coração.
Eu o interroguei, quis saber por que ele tinha demorado tanto pra fazer isso e
ele me disse que estava com muitas feridas, seu corpo doía e que de tanto
apressar os seus passos caiu e acabou ralando a alma, ele disse que precisava
se curar primeiro antes de chegar até a mim.
Era engraçado por que ele não fazia idéia do
quanto eu tinha o esperado, enquanto ele se feria na estrada eu estava aqui,
pronta para ajustar cada ferida.
Do nada ele
recostou sua cabeça em meu ombro e me disse que poderia parecer estranho, mas
ele sentia que era eu, que deveria ser eu. Perguntei a ele o que queria dizer
com isso. Ele sorriu e disse que sempre me procurou e que era eu que deveria
curar suas feridas.
Eu enchi meus
olhos de água. Ele se levantou e me fez prometer que eu não ia deixá-lo ir embora,
me fez prometer que suas feridas iam se curar. Eu o olhei
fixamente, segurei em seus ombros e respondi que não garantia a cura de
imediato, mas que eu ia fazer parar de doer, mesmo que por alguns instantes a
dor ia passar. Dali por diante eu passei a cuidar dele, passamos a pertencer um ao outro, sem feridas.